Dentro da programação da Egbé, entre os dias 12 e 16 de abril, será ministrada a oficina Produção de Filme Mobile voltada, especialmente, para jovens negres da periferia. Fernanda Almeida, graduada em Audiovisual pela Universidade Federal de Sergipe, guiará essa experiência mostrando como é possível, sim, fazer cinema com esse aparelhinho que tanta gente carrega no bolso.
Com um sorriso vibrante e olhar expressivo, Fernanda, 32, passou a maior parte da sua vida no Conjunto Jardim, em Nossa Senhora do Socorro. Lá, teve seu primeiro contato com as artes através de cursos de dança, chegando, inclusive, a considerar cursar teatro logo após o ensino médio. Já na universidade, se aproximou ainda mais do mundo das artes chegando a fazer parte do núcleo Imbuaça, um dos principais grupos de teatro de Sergipe.
EGBÉ: Fazer cinema é caro, mas com celulares cada vez mais acessíveis e com ferramentas intuitivas é possível criar boas histórias. Conte-nos um pouco sobre a criação desta oficina e qual é a sua proposta com ela.
Fernanda Almeida: Quando eu estava grávida, ministrei uma oficina usando câmera digital. No entanto, o que mais frisamos com os alunos foi o uso do celular. Mostrei um longa e eles ficaram instigados, gostaram e compraram a ideia. Hoje, assisto bastante filmes, mesmo sendo microcurtas, gravados e editados com o celular. Como essa oficina será voltada para jovens da periferia, posso dizer que é meu legado porque continuo morando numa periferia. Vejo que a maioria dos jovens gosta muito dessa nova interface de vivenciar, gravar e postar nas redes sociais, podendo ter seus próprios curtas e isso é bem legal. Agora ter uma noção cinematográfica é bem melhor. Não quero só colocar o pessoal para gravar, eu quero que eles tenham uma noção de linguagem cinematográfica, de arte, de produção, de direito de imagem. Dentro deste cenário pandêmico, a proposta é que eles façam um documentário para concluirmos a oficina, um filme ensaio.
EGBÉ: Você atua no mercado audiovisual, mas também como agente de saúde no interior do estado. Você diria que um trabalho influencia o outro?
FN: Comecei a ser agente de saúde ainda quando estava na universidade, na época em que comecei a gravar “O corpo é meu”. Estou há sete anos nesse posto e vejo o tanto que ele influencia o meu trabalho no audiovisual. Minha primeira direção de filme foi no TCC e eu coloquei uma agente de saúde, não por achar que eu precisava ter uma representação da área, mas sim da comunidade porque a gente acaba conhecendo todo mundo. Sete anos como agente de saúde influencia muito meu olhar de produtora e diretora. A gente tem uma facilidade muito grande de interagir com a comunidade, de poder adentrar e escutar. É muito do que eu faço na produção. Já fui duas vezes à Bahia para gravar documentário e para o interior de Sergipe também. Como produtora, acabo me envolvendo com a comunidade e é preciso um diálogo, uma conversa para que o outro possa, também, passar o relato dele.
EGBÉ: Você foi produtora de coletivos e ONGs ao longo de sua trajetória. Você diria que essas experiências mudaram sua percepção sobre o que é cinema e como fazê-lo?
FN: Eu fui produtora do coletivo Visagem e vi o quanto se trabalha na guerrilha. Eu levava água para todo mundo, fazia comida, a gente não tinha nada. Hoje, eu consigo organizar, consigo apoios e é muito bom trabalhar com dinheiro dando uma segurança à equipe. Eu gosto que a equipe esteja bem alimentada porque, para mim, o alimento deixa todos felizes. Já quando eu trabalhei no Sercine era como se fosse a preparação de um filme. É uma trajetória de sete, oito meses. É terminando um e já pensando no do ano seguinte. É um filme, mas com uma história diferente já que a exibição do produto final é a exibição de todos os filmes do festival.
EGBÉ: Tendo atuado com direção e produção, hoje, você diria que pende mais para qual lado? FN: Eu não vou produzir mais nada que eu venha a dirigir, risos. Já produzi os três filmes que dirigi, mas o último não tinha como eu não produzir porque gravei em minha própria casa e tô em fase de finalização. Gosto de produzir o filme dos outros e dirigir os meus.
EGBÉ: Agora sobre o tal processo criativo da artista que inspira tanta curiosidade. Como você encontrou o seu e aperfeiçoou o seu?
FN: Eu acho que vou ser um pouco piegas e dizer que já nasci artista. Ainda na infância minha mãe dizia isso, meus professores diziam e, hoje, digo que eu não deixei de ser. No entanto, é o contato com as pessoas, isso de poder sentar, conversar e ouvir, me ajuda muito a pensar no que eu posso propor para um filme. Sempre penso nessa questão um pouco mais humanizada de enxergar o outro além do que ele está te mostrando.
EGBÉ: Este ano, a Egbé traz como tema Afeto e memória. Esses elementos sempre estiveram presentes no seu trabalho ou é uma novidade?
FN: Eles têm muito a ver com as reminiscências que eu sinto, pelo primeiro filme que eu fiz que foi o “Jardim”, trazendo a memória das comunidades, a memória das pessoas, minha própria memória. O filme é uma memória muito afetiva da minha vivência. Eu não sabia que ia sair de lá, mas sabia que eu queria fazer algo sobre o lugar em que nasci, vivi, cresci e me tornei mulher.
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